B. Lobo — O Poeta Esquecido

Diney Isidoro
4 min readMar 8, 2023

“A fraqueza da memória

Dá Fortaleza aos Homens”

Louvor do Esquecimento — Bertolt Brecht

Era Julho de 1914, o Mundo começava a ficar do avesso! Um ataque na Cidade de Sarajevo, atualmente capital da Bósnia e Herzegovina, culminou com o início da Primeira Guerra Mundial. Tiros, bombas e explosões, barulhos ensurdecedores que apenas através das ondas radiofônicas, nós brasileiros tínhamos a capacidade de imaginar o que estava acontecendo na Europa.

Mesmo com o Pres. Venceslau Brás vindo a público, confirmar a participação do Brasil e declarar guerra à Alemanha, os principais efeitos deste pós-conflito veio a ser sentido pela recessão cafeeira e a queda brusca na venda de insumos para o exterior. E claro, no bolso dos menos favorecidos, a maioria da população não possuía uma boa condição financeira à época. Em contrapartida, a guerra abriu uma trincheira para o início da evolução industrial no país.

Neste período, a Capital Federal era o Rio de Janeiro, isto desde os tempos do Império (1889–1960) e a cidade começava um processo de intervenção urbana. Rapidamente estas mudanças iniciavam um processo de geo-centralização e expansão e ocupação de morros e outros espaços pelas comunidades mais pobres. A cidade neste período, era um ponto atrativo para quem buscava trabalho e um lugar ao sol. Nestes encontros e desencontros da época, entre morros e bondes, eis que o Sr. Felicio Narciso Lobo conhece a Sra. Adelina Gomes, este encontro e relacionamento amoroso traz como consequência o nascimento de Benedito Lobo em 18 de Julho de 1914.

Benedito cresceu e viveu, boa parte de sua juventude no Rio de Janeiro, originário de um berço de origem humilde, com o tempo ele aprendeu a conviver com os extremos da sociedade, onde a música do rádio dava consolo às amarguras do peito. Estudioso, Benedito se destaca como bom aluno dentro do grupo colegial e em sua juventude, ele começa a buscar oportunidades no mercado de trabalho, executa vários ofícios e vai adquirindo experiência com a vivência nas ruas do centro do Rio, aos 29 anos, ele se mostra hábil a uma profissão valorosa: Alfaiataria.

Nesta mesma idade, ele se casa com a Sra. Zenir Soares, tempos depois, teve duas filhas: Adelina e Selma. Porém, ambas faleceram ainda novas e a música se tornou o alento para este jovem alfaiate. As composições foram a forma clara de esvaziar as dores do coração, logo a alcunha B. Lobo se torna nome corriqueiro nas composições e ele vai de encontro ao núcleo da boêmia da época, as Escolas de Samba.

credito: acervo digital

E o berço acolhedor, foi a Unidos da Capela, em Parada de Lucas, ali ele se consagra como um dos compositores do clássico “Abre alas, deixa a Capela passar”, samba este que virou embrião para o famoso clássico “O abre alas que eu quero passar”. Sem muitas explicações, ele junta tudo que tinha no Rio de Janeiro e vem com sua companheira para São Paulo. Logo, B.

Lobo desembarca em São Paulo e conhece Toniquinho (Batuqueiro), um jovem engraxate que ao batucar e cantarolar o seu samba em sua caixa de trabalho, chama a atenção do jovem Alfaiate. A amizade entre os dois abre fronteiras, o levando para os terreiros de samba e aos grandes nomes da cidade. E logo, ele constrói estes laços com grandes nomes do samba paulista como Adoniran Barbosa, Clarim, Geraldo Filme, Osvaldinho da Cuíca, Pinheirão, Talismã e tantos outros…

Aqui ele segue contribuindo com o universo do samba escrevendo sambas enredos e sambas hoje conhecidos como meio de ano.

Mesmo com uma lista de diversas composições, ele é mais conhecido e lembrado por escrever um dos mais belos clássicos ao lado de seu parceiro Talismã, este samba chamado: “Sonho colorido de um pintor” foi gravado pela Associação Cultural e Social Escola de Samba Mocidade Camisa Verde e Branco para o Carnaval de 1971, mas ficou eternizado na voz do Cantor Tom Zé.

Mas engana-se quem pensa que apenas os sambas de meio de ano se tornaram, a paixão deste artista, na verdade as Escolas de Samba se tornam a paixão deste nobre alfaiate e B. Lobo finca raízes na Unidos do Peruche ao lado de seu amigo Geraldo Filme, na escola ele compõe diversas obras, inclusive o hino da agremiação:

A amizade com o Cardeal do Samba de São Paulo, Sêo Carlão do Peruche, não o inibe de compartilhar a sua arte com o mundo. Sua disposição e vontade de escrever, fizeram com que ele ajudasse em diversas agremiações e pudesse contribuir para construção de vários pavilhões. Teu histórico fala por si: ver página de B. Lobo no IMMuB.

B. Lobo em seu trecho final de vida, aos 76 anos, estava internado no Hospital de Geriatria D. Pedro II no Jaçanã, ele faleceu em 10 de Junho de 1991, por consequência de uma bronco pneumonia, seguido de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), suas cinzas se encontram no Cemitério de Vila Formosa em São Paulo. O Artista partiu, seu nome se apagou com o tempo, mas hoje, a minha missão é trazer luz a este que galgou e escreveu o teu nome, para nunca mais ser esquecido.

A tua história está cravada nos caminhos do roçado do bom deus!

Na foto Pinheirão, no colo a filha Leandra e ao lado o compositor Benedito Lobo — créditos: Acervo São Paulo em Retalhos

Originally published at https://immub.org.

--

--

Diney Isidoro

Colunista,Escritor,Jornalista,Pesquisador, Sambista e um bocado de coisas na vida.